quinta-feira, 16 de novembro de 2017

16 DE NOVEMBRO DE 1922 - NASCE O GRANDE ESCRITOR PORTUGUÊS: A CEGUEIRA QUE ACOMETEU O MILITANTE SARAMAGO
(ARTIGO DA LBI PUBLICADO EM 22/06/2010)


O escritor português José Saramago nascido em 16 de novembro de 1922 faleceu em junho de 2010 aos 87 anos na ilha de Lanzarote, no arquipélago espanhol das Canárias, onde foi viver em protesto contra o clericalismo do governo português. Durante o ano de 1991, em plena "democracia", seu livro "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" foi proibido de se inscrever representando Portugal na disputa pelo Prêmio Literário Europeu pelo governo do país, herdeiro da inquisição medieval e da ditadura de Salazar, por ser considerada uma obra "ofensiva para o catolicismo do povo português". Ao lado de Camões e Fernando Pessoa, Saramago posta-se como o terceiro maior escritor lusitano. Cumpriu um papel progressivo na luta contra o obscurantismo religioso em seu país e conta em favor dele que o jornal do Vaticano, em nota sobre seu falecimento, o amaldiçoe como "um homem e um intelectual de nenhuma admissão metafísica, ancorado até ao fim numa confiança arbitrária no materialismo histórico, aliás marxismo" (L'Osservatore Romano, 19/06). Mas, embora declarasse que "assim como tenho no corpo um hormônio que me faz crescer a barba, há outro que me obriga a ser comunista", as posições políticas do escritor, falsamente identificadas pela reação e reivindicadas pelo próprio como marxistas, revelam que seus "hormônios stalinistas", desde quando ingressou no PCP em 1969, o condicionaram a ser um escritor pequeno burguês, defensor da colaboração de classes desde a Revolução dos Cravos, do pacifismo, do mito da cidadania, além de atuar de acordo com a opinião pública democrática do grande capital.N ão por acaso, chegou a receber do imperialismo a condecoração maior dada a um escritor, sendo o único português a receber o Nobel de Literatura. Em seguida, condenou o Estado operário cubano por combater a espionagem imperialista e assim como o mais cego de seus personagens em "Ensaio sobre a cegueira" passou a ser garoto propaganda de Obama.

SARAMAGO E O PCP NA REVOLUÇÃO DOS CRAVOS

No início dos anos 1990, Saramago foi prejudicado pela democracia que ele ajudou a consolidar, abortando através da política de conciliação de classes do Partido Comunista Português, a luta por uma autêntica revolução social que varresse todo o lixo reacionário, clerical e ditador imposto pela burguesia portuguesa. Vale lembrar que o PCP, do qual Saramago era militante desde 1969, foi um dos principais articuladores para que a ebulição revolucionária de 1974, que derrotou a ditadura Salazar e a intervenção colonialista do país na África, fosse contida nos marcos burgueses. O PCP e Saramago apostaram na reacionária utopia da transição pacífica para o socialismo através de uma aliança com os "setores progressistas das forças armadas".

A participação de Saramago nos acontecimentos de abril de 1974 foi assim recordada pelo partido: "Construtor de Abril, enquanto interveniente ativo na resistência ao fascismo, ele deu continuidade a essa intervenção no período posterior ao Dia da Liberdade como protagonista do processo revolucionário que viria a transformar profunda e positivamente o nosso país com a construção de uma democracia que tinha como referência primeira a defesa dos interesses dos trabalhadores, do povo e do País." (Nota do Secretariado do Comitê Central do PCP, Lisboa, 18/06/2010).

Na construção desta "democracia", o PCP, a cabeça da Intersindical, a federação sindical a qual dirigia, tratou de se colocar prontamente ao lado das direções governistas para sabotar as greves operárias enquanto avançava a repressão política para recompor a ordem burguesa. Sendo assim, em 25 de Novembro de 1975, o Diário de Notícias, em que era diretor-adjunto, sofreu intervenção militar e demitiu vários funcionários. Demitido, Saramago resolve dedicar-se apenas à literatura, substituindo de vez o jornalista pelo ficcionista: "(?) Estava à espera de que as pedras do puzzle do destino ‘supondo-se que haja destino, não creio que haja’ se organizassem. É preciso que cada um de nós ponha a sua própria pedra, e a que eu pus foi esta: 'Não vou procurar trabalho'", disse Saramago em entrevista à revista Playboy, em 1988.

Embora tenha escrito algumas obras entre 1947 e 1980 ("Terra do Pecado", "Clarabóia", "Manual de Pintura e Caligrafia", "Deste Mundo e do Outro", "Os Poemas Possíveis", ...), foi a partir desta demissão que Saramago, filho e neto de camponeses analfabetos, que havia sido serralheiro, funcionário público e editor, passou a dedicar-se inteiramente à carreira de escritor. Foi a partir de 1980, com a publicação de "Levantado do Chão" (1980), que alcançou notoriedade e quando, pela primeira vez, adota o uso intensivo da vírgula como sinal de pontuação fundamental, uso que tornou sua marca registrada. Em seguida virão: "Memorial do Convento" (1982), considerada a sua obra-prima até o momento; "O Ano da Morte de Ricardo Reis" (1984), em que situa o heterônimo pessoano hedonista em Lisboa durante a ditadura de Salazar; "Jangada de Pedra" (1986), em que a Península Ibérica separa-se da Europa, numa metáfora para a deriva dos continentes e da espécie; "História do Cerco de Lisboa" (1989); "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" (1991); "Ensaio sobre a cegueira" (1995) que virou filme; "Todos os nomes" (1997); "As intermitências da Morte" (2006) e "Caim" (2009), dentre outros.

PREMIADO PELA BURGUESIA MUNDIAL COM O NOBEL, RENUNCIA À DEFESA DE CUBA ANTE AS INVESTIDAS IMPERIALISTAS

Em 1995, dois anos após o "auto-exílio" do escritor, o governo português afaga o ego de Saramago concedendo-lhe o prêmio Camões, o mais importante da literatura da língua portuguesa, por "Ensaio sobre a cegueira". Na seqüência, em 1998, recebeu o Premio Nobel da Literatura. Anos depois, no auge da campanha da Casa Branca "em defesa dos direitos humanos" pela restauração do capitalismo e da democracia burguesa em Cuba, Saramago rompe com a Ilha num artigo ao jornal El País declarando: "Até aqui cheguei. De agora em diante Cuba segue o seu caminho, eu fico" (14/04/2003). Como representante da "intelectualidade progressista", o escritor português usou toda sua autoridade de "comunista" para condenar o direito do Estado operário de executar três espiões da CIA que se reuniram com ninguém menos que James Cason, representante do Escritório de Interesses dos EUA na ilha, seqüestraram uma lancha e preparavam atos contra-revolucionários. Na época, a LBI polemizou com o escritor e outros "progressistas" do gênero ( Os revolucionários defendem que o Estado operário condene aofuzilamento os agentes da contrarrevolução, 31/05/2003).

DELÍRIOS SOBRE O FRACASSO DO CAPITAL FINANCEIRO E APELOS À "DIGNIDADE HUMANA" DIANTE DA CRISE MUNDIAL

Diante da lambança que foi a crise mundial capitalista para a grande burguesia mundial, quando as 10 maiores fortunas do planeta saltaram de U$ 88 bilhões para U$ 342 bilhões durante a crise de 2008-2009, demonstrando que para esta parcela da sociedade o capital financeiro deu certo em que pese a miséria gerada pela crise, Saramago faz declarações piedosas e delirantes: "O fracasso do capitalismo financeiro, hoje tão óbvio, deveria ajudar-nos na defesa da dignidade humana acima de tudo" (A hora dos valores humanos, La Vanguardia, Barcelona, 10/12/2008)

SARAMAGO, OBAMA E A QUESTÃO PALESTINA

Mesmo quando combate a truculência do sionismo, o prêmio Nobel da literatura o faz segundo um conciliador pacifista, não por oposição ao papel imperialista que cumpre o Estado israelense no Oriente Médio. Em sua mensagem "Educar para a paz" afirma: "É muito mais fácil educar os povos para a guerra do que para a paz. Para educar no espírito bélico basta apelar aos mais baixos instintos. Educar para a paz implica ensinar a reconhecer o outro, a escutar os seus argumentos, a entender as suas limitações, a negociar com ele, a chegar a acordos. Essa dificuldade explica que os pacifistas nunca contem com a força suficiente para ganhar? as guerras". ("Israel vive às custas do Holocausto", em Palestina existe!, Madrid, Foca, 2002 [Prólogo e edição de Javier Ortiz] [Entrevista de Javier Ortiz]). Por sinal, ele alenta ilusões no pacifismo imperialista sendo um dos maiores entusiastas da ascensão de Obama na Europa.

Para Saramago, "um negro com nome muçulmano, 44º presidente da nação norte-americana. De repente, o mundo parece-me mais limpo, mais prometedor. Por favor, não me roubem esta esperança" (O Caderno de Saramago, 29/01/2009). Todo apoio literal de Saramago à causa palestina, pelo qual ganhou muita fama como pacifista na última década, é pouco para encobrir a culpa por ter estimulado como poucos no planeta ilusões cretinas em Obama justamente quando o novo governante acabava de orquestrar o maior ataque israelense a Gaza.

Declarou Saramago: "Talvez todos sejamos crentes desta nova fé política que irrompeu nos Estados Unidos como um tsunami benévolo que tudo vai levar adiante separando o trigo do joio e a palha do grão, talvez afinal continuemos a acreditar em milagres, em algo que venha de fora para salvar-nos no último instante, entre outras coisas, desse outro tsunami que está arrasando o mundo. Obama, nos seus múltiplos discursos e entrevistas, disse tanto de si mesmo, com tanta convicção e aparente sinceridade, que a todos já nos parece conhecê-lo intimamente e desde sempre. O presidente dos Estados Unidos que hoje toma posse resolverá ou intentará resolver os tremendos problemas que o estão esperando, talvez acerte, talvez não, e algo nas suas insuficiências, que certamente terá, vamos ter de lhe perdoar, porque errar é próprio do homem como por experiência tivemos de aprender à nossa custa. O que não lhe perdoaríamos jamais é que viesse a negar, deturpar ou falsear uma só das palavras que tenha pronunciado ou escrito. Poderá não conseguir levar a paz ao Médio Oriente, por exemplo, mas não lhe permitiremos que cubra o fracasso, se tal se der, com um discurso enganoso. Sabemos tudo de discursos enganosos, senhor presidente, veja lá no que se mete." (O Caderno de Saramago, 20/01/2009).

Isso depois de semanas consecutivas de massacre orientado já pela nova administração que manteve no cargo o Secretário de Defesa da sanguinolenta era Bush, Robert Gates e que, juntamente com Tel Aviv, arquitetou em seus mínimos detalhes a pior ofensiva militar israelense já sofrida pelos palestinos. Um massacre encomendado na véspera da posse de Obama para livrar a cara do novo governante.

Com estas declarações no dia da posse de Obama, o escritor português contagia com uma cegueira branca e imperialista perniciosa seus leitores sobre o verdadeiro envolvimento do novo ocupante da Casa Branca. O "negro, com o nome muçulmano, miraculoso e benévolo", havia acordado com Bush e Israel uma ação terrorista nazi-sionista que se prolongasse, no máximo, até a véspera de sua posse para que este entre em cena como o "artífice" de uma trégua... baseada na paz dos cemitérios, sobre as ruínas da Gaza, os cadáveres de quase 1000 palestinos, sendo mais de ¼ crianças e o máximo debilitamento militar e político do Hamas.

Saramago, no máximo, criticou o "silêncio cúmplice" de Obama, em tom indignado, na qualidade de um apoiador traído, mas ainda perdoando "porque errar é próprio do homem" e afirmou: "Não é do melhor augúrio que o futuro presidente dos Estados Unidos venha repetindo uma e outra vez, sem lhe tremer a voz, que manterá com Israel a 'relação especial' que liga os dois países, em particular o apoio incondicional que a Casa Branca tem dispensado à política repressiva (repressiva é dizer pouco) com que os governantes (e porque não também os governados?) israelitas não têm feito outra coisa senão martirizar por todos os modos e meios o povo palestino. Se a Barack Obama não lhe repugna tomar o seu chá com verdugos e criminosos de guerra, bom proveito lhe faça, mas não conte com a aprovação da gente honesta". Mas, como representante da intelectualidade e da "gente honesta", Saramago continuou hipotecando apoio político a Obama. A LBI polemizou com o escritor português e com as correntes que se limitaram a criticar Obama por ser cúmplice e não protagonista do massacre sionista a Gaza.

Depois de dez meses da administração do facínora de rosto negro em Washington, depois do mesmo ter triplicado o número de soldados e mercenários no Afeganistão, de ter realizado o sanguinário golpe militar em Honduras, dentre outras atrocidades, o que tem a dizer Saramago sobre Obama no dia em que este recebeu o Nobel da Paz? "Quando uma esperança nasce há que saudá-la conforme o seu merecimento, e este parecia não ter limites. É possível que comece a dizer-se que o Prêmio Nobel da Paz foi prematuro, mas não o é se o tomarmos como um investimento? Graças a ele talvez Obama ganhe ainda maior consciência de quanto o necessitamos." (Barack Obama, Por José Saramago, 9/10/2010). Vale lembrar que o Comitê Nobel norueguês que deu o prêmio a Obama (e também a Saramago em Literatura) ressaltou que o fez pelos seus esforços do mandatário ianque em favor do desarmamento nuclear,... do Irã, da Coréia do Norte, mas não de Israel e tampouco dos EUA. Sobre isto, o militante Saramago chegou ao mais alto grau de amaurose.

O escritor esperava que Obama adquirisse talvez "dignidade humana" e consciência de como gente, até atéia como Saramago, necessitava de alguém para santificar e depositar suas esperanças diante do vale de lágrimas da barbárie imperialista. Por sua vez, dispondo a seu favor da cegueira como as que o Nobel da literatura dissemina, o Nobel da paz aprofundou o rastro de destruição de Bush, incrementou a ocupação militar do Haiti com seus marines e apoiou o "direito" dos nazi-sionistas a fulminar até uma flotilha de pacifistas interessados em doar comidas e remédios para os palestinos de Gaza. Contradizendo Saramago com as palavras que o próprio usou em seu texto "Esquerda", se o mundo alguma vez conseguir ser melhor, será porque os marxistas revolucionários não se deixaram cegar ao ver o inimigo se apresentar em pele de cordeiro. Sejamos mais conscientes e orgulhemo-nos do nosso papel na História.