quarta-feira, 31 de maio de 2017

A IMPORTÂNCIA DA GREVE DE MASSAS NA CONCEPÇÃO DA GRANDE REVOLUCIONÁRIA COMUNISTA ROSA LUXEMBURGO


Um dos maiores erros  que se desencadearam em volta da contribuição teórica da grande revolucionária comunista Rosa Luxemburgo reside no seu suposto "espontaneismo" e na pretensa subestimação da política marxista que se encontraria nos seus textos. Particularmente, no que respeita a greve de massas e a revolução russa de 1905. O debate sobre a greve geral de massas instala-se e começa a circular na literatura marxista da II Internacional entre 1895 e 1896. Foi Parvus o primeiro publicista que encarou o tema da greve política, vinculando-o a discussão sobre o golpe de estado. Em uma série de artigos publicados na revista teórica do Partido Social-Democrata Alemão (SPD) a propósito das ameaças golpistas de um general chamado V. Boguslawski. Mais tarde, em 1902, tem lugar uma greve geral política na Bélgica que pedia o sufrágio universal e igualitário, fracassou. A discussão sobre esta greve constituiu a segunda etapa do debate sobre a greve de massas. Participaram nele Emile Vandervelde, Franz Mehring e a própria Rosa. Até que sobreveio a primeira revolução russa de 1905. Esse foi o detonador para a maior contribuição de Rosa Luxemburgo a este debate, condensado na sua obra Greve de Massas, Partido e Sindicatos, redigida no exílio na Finlândia em Agosto de 1906. Adotando como modelo de inspiração a recente revolução russa, Rosa intervém desde o princípio, trazendo para a discussão a burocratização dos poderosos e ao mesmo tempo impotentes sindicatos alemães, que tinham verdadeiro pânico à greve geral. Como em qualquer debate, não se entende nada das teses de Rosa quando se abstrai com quem se está debatendo. O interlocutor da polêmica marca grande parte do terreno e o tom dos argumentos ao longo de todo o debate. Se não se sabe ou diretamente se desconhece o objetivo da sua polêmica, então pode-se construir uma Rosa Luxemburgo ao gosto e prazer de cada um..., potável ou oportunista para qualquer coisa. Inclusivamente para supostamente incompatibilizá-la com o marxismo leninismo. Estes burocratas de carreira, que há anos tinham abandonado a perspectiva revolucionária, temiam mais a greve de massas que a morte, pois esta os faria perder a estabilidade das suas posições materiais, conquistadas nas negociações com o patronato e o Estado burguês.Algo não muito diferente do que experimentou o sindicalismo burocrático brasileiro entre 2003 e o final das gestões estatais da Frente Popular em 2016. Porque, convenhamos, a suposta "panaceia" do Estado benfeitor de que alguns ainda tem nostalgia... garantia certas conquistas operárias na condição de manter manietada, neutralizada, institucionalizada, e em última instância reprimida, a rebeldia revolucionária da força coletiva dos trabalhadores. Nunca como na época do Estado de bem-estar keynesiano se pôde observar a justeza da fórmula gramsciana que define o Estado capitalista como a conjunção da coerção e o consenso, da violência e a hegemonia.




Ora bem, contra essa institucionalização e essa domesticação lutava Rosa, quando defendia as virtudes políticas da greve de massas ou da greve geral política: "a greve de massas, que foi combatida como oposta à actividade política do proletariado, aparece hoje como a arma mais poderosa da luta pelos direitos políticos". Contra aqueles que vociferavam que a greve geral destruiria os sindicatos, ela replicava apelando ao exemplo empírico da revolução russa de 1905, argumentando que o movimento sindical russo é filho da revolução: "Do furacão e da tormenta, do fogo e da fogueira da greve de massas e da luta nas ruas, surgem, como Vénus das ondas, sindicatos frescos, jovens, poderosos, vigorosos". Falsamente se poderia contrapor Rosa a Lenin, ainda que entre ambos tenham existido matizes diversos sobre este debate. Quando Lenin, no seu famoso "Que Fazer?", coloca em discussão o culto da espontaneidade e aponta a necessidade de superar a etapa econômica micro-corporativa, defendendo a consciência socialista e a luta ideológica pela tomada do poder, está polemizando contra outra frente, totalmente diferente de Rosa. No caso de Lenin, a discussão do "Que Fazer?" vai pelo caminho de questionar a limitação economicista do movimento operário russo, a sua limitação a tímidas reformas econômicas  e a restrição de toda a perspectiva política revolucionária diante da conjuntura espontânea e artesanal do dia a dia fabril. Somente tendo em conta, concretamente, os diversos interlocutores contra quem polemizavam Rosa e Lenin – ambos ácidos críticos do oportunismo e do reformismo – se pode compreender a fundo a perspectiva comum que os unia, mesmo que, insistimos, não se possa confundir o posicionamento revolucionário dos dois numa identidade teórica absoluta. Nesse sentido, não podemos esquecer que foi precisamente Lenin que tomou abertamente partido por Anton Pannkoek contra Kautsky, fazendo referência ao debate sobre a greve de massas de 1912. Então, o dirigente máximo bolchevique assinalou que: "Pannkoek manifestou-se contra Kautsky como um dos representantes da tendência «radical de esquerda» que contava nas suas fileiras com Rosa Luxemburgo, Radek e outros, e que defendendo a tática revolucionária, tinha como elemento aglutinador a convicção de que Kautsky se passava para o «centro», e que, de costas para os princípios, vacilava entre o marxismo e o oportunismo. Que esta apreciação era acertada veio a demonstrá-lo plenamente durante a guerra, quando a corrente do «centro» (erroneamente denominada marxista) ou de «kaustkismo» se revelou em toda a sua repugnante miséria. [...] Nesta controvérsia é Pannkoek quem representa o marxismo contra Kautsky". Uma postura não muito distinta da de Rosa... pois ali tinha mudado o interlocutor da polêmica de Lenin. Gravíssimo, imperdoável e mal-intencionado erro o de converter o Que Fazer? de Lenin num manual pretensamente antiLuxemburgo!

De todas as formas é inegável e não se pode desconhecer que Rosa polemizou várias vezes com Lenin. Tanto no seu artigo "Problemas Organizativos da Social-democracia" de 1904 como na sua "Crítica da Revolução Russa", redigido durante a primeira guerra mundial, na cadeia. No entanto, deve situar-se cada crítica – e cada resposta de Lenin, incluindo aquela que enviou à revista Neue Zeit em 1904 e que Kautsky não quis publicar – num contexto de coordenadas bem delimitado, já que Rosa, como o principal dirigente bolchevique, foram modificando as suas posições respectivas ao longo da história. Se em 1904 ela depositava muito mais confiança na potencialidade autodisciplinante do proletariado que numa organização centralizada como a que Lenine promovia (Rosa temia que essa forma organizacional centralizada conduzisse na Rússia à inércia, à prudência, ao conservadorismo e ao parlamentarismo, como sucedia com a social-democracia alemã), mas no final da sua vida acaba por fundar o Partido Comunista Alemão (KPD). Foi somente o seu assassinato que a impediu de ser co-fundadora com Lenin e Trotsky da III Internacional Comunista. Por sua parte Lenin, se nos seus textos do princípio do século começou por defender intransigentemente a legitimidade do centralismo, o profissionalismo dos quadros e da militância política e, inclusivamente, certos elementos da administração partidária, como algo imprescindível para derrubar a partir da clandestinidade o czarismo, quando a revolução de 1905 conquistou certas liberdades democráticas, deu uma forma organizativa ao Partido Bolchevique que tinha muito pouco a ver com o centralismo "exagerado". E mais, no final da sua vida, Lenin acaba por questionar abertamente a burocracia stalinista do Estado e do Partido, deixando desesperados sinais de alerta ditados as suas secretárias, como seu testamento político. Portanto, Lenin e Rosa, ambos foram mudando as respectivas posições programáticas. Não se pode cristalizar nenhum deles numa fórmula rígida para que entrem em um fácil esquema dicotômico de antagonismo.

Marcando então as nossas distâncias e reservas frente ao esquematismo que pretende por, a todo o transe, Rosa contra Lenin e Lenin contra Rosa, para aprofundar esse campo problemático devemos perguntar-nos como definia Rosa a greve de massas? Como uma conjugação de lutas políticas e econômicas, interpenetradas entre si, não unicamente como uma luta meramente sindical. Quando se delimita estritamente e se analisa em toda a sua complexidade a sua análise a greve de massas como uma greve política , vê-se o quanto distante está a realidade de contraposição extrema que se pretendeu levantar entre a reflexão de Rosa e a de Lenin. A sua argumentação não vai contra a deste último. Daí que Rosa afirmasse o seguinte: "As greves políticas e as econômicas, as greves de massas e as parciais, as greves de protesto e as de luta, as greves gerais de determinados setores da indústria e as greves gerais em determinadas cidades, as pacíficas lutas salariais e os massacres de rua, as pelejas nas barricadas, todas se entrecruzam, correm paralelas, se encontram, se interpenetram e se sobrepõem; é uma variada maré de fenómenos em incessante movimento. E a lei que rege estes fenômenos é clara: não reside na greve de massas em si própria nem nos seus detalhes técnicos, mas nas proposições políticas e sociais das forças da revolução".Rosa não subestimava, pois, as instancias políticas da consciência do proletariado no desenvolvimento da greve geral de massas. O que punha em discussão era a inércia do Partido Social-Democrata Alemão e a sua burocracia sindical para encabeçar a luta. Ao mesmo tempo, ela apelava ao espírito revolucionário e à iniciativa das massas contra a passividade da burocracia dos aparatos. Aqueles debates em que Rosa interveio não ficaram sepultados no passado, nem interessam unicamente aos historiadores acadêmicos do pensamento marxista. Voltar a pensar o nexo entre os movimentos sociais e a consciência política revolucionária – assim como também o papel de entrave das burocracias sindicais – à luz da atual luta contra a ofensiva neoliberal do capital, o recrudescimento do imperialismo, a crise do reformismo social-democrata e finalmente dos pactos sociais do Estado de bem-estar impulsionados pela política de colaboração de classes da Frente Popular, continua a ser uma tarefa central dos Comunistas Leninistas.