quinta-feira, 20 de novembro de 2014


O significado das "comissões" no formato do moderno Estado burguês e sua função no processo de acumulação capitalista

Ganhou manchete na mídia desta quarta-feira (19/11) a afirmação do lobista Fernando Baiano, preso pela PF sob a acusação de operar a intermediação de comissões pagas para políticos do PMDB em várias empresas estatais, de que: "Não se faz obra pública no Brasil sem 'acerto'... Pode pegar qualquer empreteirinha de qualquer prefeitura do interior. Sem acerto, não tem paralelepípedo no chão". O debate sobre a corrupção existente na Petrobras promete ocupar a agenda política do início da nova gerência petista, podendo até ganhar contornos de uma crise de governabilidade. Logo a blogosfera "chapa branca" atualizou a frase do velho Ademar de Barros, "Rouba mas faz" para "Não rouba não faz", tentando legitimar a conduta dos dirigentes políticos da chamada "base aliada". A questão de fundo não é só constatar a existência da prática "semi-institucional" da cobrança generalizada de comissões em cada obra executada ou serviço prestado ao estado nacional (no sentido mais amplo do termo) por empresas capitalistas, o fulcro do debate deve estar focado na evolução da formatação do moderno Estado burguês e do papel das comissões pagas aos "gestores públicos" no processo de acumulação capitalista. Até meados dos anos 60 no Brasil a "metodologia" de apropriação de recursos estatais por parte da elite política dominante ocorria em grande medida sob o sistema de desvio direto das verbas públicas, ou seja, havia a transferência de valores do orçamento estatal diretamente para o patrimônio privado da camarilha política hegemônica. Tratava-se de um "assalto" direto dos cofres públicos por parte de gestores estatais, porém com o surgimento do monitoramento das contas estatais por parte de organismos financeiros internacionais, produto do grande volume de empréstimos contraídos pelo Brasil após o golpe militar de 1964, começou a inviabilizar esta "tradição secular" nacional. Com a rígida "supervisão" do FMI e do Banco Mundial nos organismos fazendários nacionais, condição imposta para a entrada do país no roteiro do fluxo do capital financeiro mundial, a "governança" burguesa brasileira foi forçada a buscar outra "via" para exercer sua política de patrimonialismo às custas do estado nacional, deixando para trás os velhos tempos da transferência direta das reservas monetárias do tesouro para suas contas bancárias pessoais. Neste período, começo dos anos 70, inicia-se um ciclo econômico de larga expansão no Brasil com o desenvolvimento de grandes projetos de infra-estrutura e integração nacional. Surge com força neste momento as "gigantes" do concreto, empreiteiras nacionais que deram conta de impulsionar o chamado "milagre econômico" do regime militar. O "Ovo da Serpente" tinha parido um sofisticado sistema de pagamento para os dirigentes estatais, na maioria dos casos militares de alta patente, de volumosas comissões por cada obra ou serviço contratado. O que era apenas um "pequeno embrião" no governo JK com a construção de Brasília tornou-se o método recorrente para formação de fortunas dos gestores estatais, quase sempre enviadas ao exterior. Por outro lado a existência das generosas "comissões” incentivavam a elite política dominante para o lançamento de novos projetos de "desenvolvimento" econômico, criando uma cadeia de acumulação capitalista que logo catapultou o Brasil entre os dez maiores mercados do mundo no final dos anos 70. Parecia enfim que tudo havia se harmonizado no país, as oligarquias políticas não precisavam mais roubar descaradamente do caixa estatal, pois recebiam diretamente das corporações capitalistas, por outro lado tinham suas contas aprovadas pelos organismos multilaterais que continuavam a liberar o crédito financeiro internacional.... Só não contavam com a crise capitalista mundial que jogou o Brasil em plena recessão no início dos anos 80, obrigando uma mudança no regime político vigente.

A mudança do regime político brasileiro, que apesar da pressão das massas foi operada pela senda de uma transição conservadora pactuada com as forças armadas e a oposição burguesa, colocou no cenário político novos protagonistas estatais. Grande parte da tecnocracia governamental, exercida anteriormente por quadros militares, foi preenchida por indicações dos partidos políticos. Surge então a figura do "lobista", uma espécie de intermediador entre as corporações capitalistas e o Congresso Nacional. Na sequência histórica da "Nova República" os lobistas tomam conta de todas as esferas das instituições estatais, generalizando a prática das comissões pagas diretamente a burocracia partidária no poder da chamada "liberação das verbas". Em um primeiro momento (final dos anos 80) apenas o PT se mantém distante do recebimento das comissões, suas poucas prefeituras (Fortaleza e São Paulo) condenam inicialmente esta conduta, quando acontece a eleição dos governos estaduais (1990) nem mesmo a "vestal" Luiza Erundina resiste mais, "aderindo" ao recebimento das "generosas" comissões. Neste período ocorrem também as primeiras denúncias midiáticas de corrupção em obras superfaturadas com a participação política de lobistas e dirigentes partidários, como foi o caso da reforma do autódromo de Interlagos (SP) gerando uma crise no seio do Partido dos Trabalhadores.

A derrota eleitoral do PT nas eleições de 89 e 94 deu passagem a uma etapa de profundo retrocesso econômico, atrelando o país a ofensiva neoliberal do imperialismo. Os dois governos Tucanos de FHC liquidaram o "legado" da infraestrutura nacional, privatizando nossas estatais em troca de "gordas" comissões para o caixa central do PSDB, sem que ao menos a dívida pública fosse atenuada. Neste processo da "Privataria" Tucana as principais lideranças políticas do governo FHC amealharam "pequenas" fortunas pessoais, fabricando a mais sólida estrutura material partidária do país. Se nos anos do regime militar as "comissões" desembolsadas pelos grupos econômicos estiveram ligadas de alguma forma a um "bastardo" modelo "desenvolvimentista", na era FHC estiveram vinculadas a desorganização das forças produtivas atingindo o maior patamar da história republicana.

Sob os governos da Frente Popular, apesar da "ingênua" expectativa da esquerda em uma "faxina" nas entranhas podres da república, as comissões pagas se "democratizaram", sendo negociadas por militantes petistas que até então não possuíam nenhum patrimônio pessoal. Uma das primeiras "medidas" de Lula foi orientar sua cúpula partidária a reduzir drasticamente o percentual recebido nas comissões, se o PSDB exigia até 30% em cada transação acertada o PT baixou de uma "só tacada" o índice para 10%. Uma pequena elite Tucana foi beneficiada com a "Privataria", já com as gerências petistas algumas centenas de dirigentes do partido puderam acumular pela primeira vez na vida algum patrimônio com o recebimento das comissões, que variavam da "modesta" faixa de um milhão de Reais até fortunas bem consideráveis. É óbvio que estamos nos referindo generalizadamente as "comissões", que podem assumir um caráter "insignificante" em um pequeno órgão estatal ou ganhar proporções gigantescas como na PETROBRAS, de toda maneira nem mesmo este caso pode ser comparado ao que ocorreu na "queima" das nossas empresas estatais com a "Privataria" Tucana.

Como nos ensinou Lenin em seu brilhante trabalho "Estado e Revolução", seria uma estupidez política absoluta que os comunistas saíssem a reivindicar a "moralização do estado burguês". Na contemporaneidade capitalista as "comissões" são a forma concreta onde as elites políticas (existentes em todos os partidos burgueses) se apropriam dos recursos estatais, induzindo a estreita relação da economia privada com a "coisa pública", que diga- se com todas as letras de " pública" não tem absolutamente nada! Para combater consequentemente a corrupção exige em primeiro lugar dos Marxistas Revolucionários a compressão do programa histórico da classe operária, onde se inscreve na "primeira linha" que o estado capitalista não pode ser reformado, deve ser demolido pela ação das massas!