terça-feira, 11 de fevereiro de 2014


30 anos do MST: Do ascenso das ocupações de terra pela reforma agrária a um obstáculo na luta pela revolução agrária no Brasil

Iniciou-se na segunda-feira, 10 de fevereiro, o 6º Congresso Nacional do MST, celebrando seus 30 anos de fundação. Tendo como lema “Lutar, construir Reforma Agrária Popular”, 15 mil militantes e ativistas participam de sua maior instância de decisão. Segundo a direção do MST, o principal objetivo do Congresso Nacional do MST é “discutir e fazer um balanço crítico da atual situação do movimento, traçar novas formas de luta pela terra, pela reforma agrária e por transformações sociais, além de comemorar seus 30 anos de existência. Também será um momento de reafirmar um novo programa da Reforma Agrária para o país: a Reforma Agrária Popular”. No dia 13/02 acontece um ato político com a participação de movimentos sociais, intelectuais e de representantes do PT, PCdoB e PSB-Rede como os governadores do Rio Grande do Sul, Tarso Genro e do Amapá, Camilo Capiberibe, além do presidente nacional do PT, Rui Falcão, que buscam o apoio do MST para as candidaturas de ambos partidos. João Pedro Stédile inclusive já declarou publicamente que o MST tem simpatia por Dilma e Campos que representariam um mesmo “projeto popular” contra a candidatura tucana de Aécio Neves. Só esta declaração em apoio a presidenciáveis sem qualquer compromisso com a reforma agrária e a completa paralisia do MST durante os governos Lula/Dilma já são um bom debate a ser tratado no seio do Movimento. Para além destas questões, faz-se necessário fazer realmente um balanço militante e crítico do MST, refirmando que desde já nos colocamos publicamente contra qualquer ataque do aparato repressivo do Estado burguês e seus governos, sejam de “esquerda” ou de “direita” aos militantes do MST que lutam contra o latifúndio.

O MST surge impulsionado pela luta contra a conservadora modernização capitalista que dominou a agricultura brasileira nas décadas de 60 e 70 e aguçou os conflitos agrários, mantendo a arcaica estrutura do grande latifúndio e explorando ainda mais o trabalhador rural, principalmente nos estados de São Paulo e no Sul do país, onde nasceu o embrião do movimento. Sua origem está diretamente vinculada à ascensão de um sindicalismo combativo em contraposição ao velho peleguismo, ao avanço da influência da igreja no movimento dos trabalhadores rurais, devido o trabalho das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), além da própria fundação do PT em 1980. Apesar da radicalização de algumas ações do MST, a sua direção defende um programa essencialmente nacional-desenvolvimentista, cuja concepção reformista está muito clara no editorial da revista Sem Terra que apresenta a reforma agrária como uma causa “de todos os brasileiros e brasileiras”, e defende “construir uma nação livre, rica e justa. Uma nação de cidadãos, sem excluídos”, contrapondo a necessidade de “um projeto nacional efetivamente novo oposto ao modelo econômico adotado pelo capital internacional e aplicado no Brasil. São as ações práticas do MST que revelam sua perspectiva reformista. A defesa de ocupações somente em terras improdutivas, respeitando os limites impostos à reforma agrária pela Constituição brasileira, prova que efetivamente a direção do MST nega-se a promover uma ruptura com a institucionalidade burguesa, mantendo ilusões no apodrecido regime capitalista, buscando apenas retocá-lo.

O “Novo programa da Reforma Agrária para o país” na verdade não tem nada de novo, ele expressa a própria orientação de adaptação do MST as políticas compensatórias do governo do frente popular. Segundo o site do MST, reportando-se a 30 anos atrás,  “Naquela época, a prioridade era organizar, na luta pela reforma agrária e pelo fim do latifúndio improdutivo, a grande massa de trabalhadores pobres, recém-expulsa do campo pelas políticas ditas modernizadoras da ditadura. Hoje, é requalificar a luta histórica pela terra em um país no qual a combinação da mais oferta de emprego na cidade e políticas sociais se sobrepôs à reforma agrária como opção política para combater a pobreza, condenando esta última à invisibilidade... A questão luta pela terra hoje está fora da pauta da sociedade e do governo. Está cooptada por muitos intelectuais que acham que a reforma agrária e a luta pela terra não existe mais. Portanto, a luta pela terra está despolitizada. Ela tem acontecido, seja a luta dos indígenas, dos quilombolas, dos pescadores, a nossa luta. Mas está escondida, abafada”, afirma Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST. O dirigente reconhece que o volume de ocupações diminuiu, mas atribui o fenômeno menos a desarticulação do movimento do que as pressões da conjuntura. “As famílias vão ficar esperando mais 10 anos para serem assentadas ou vão buscar trabalho nas obras do PAC. O  “novo programa do MST” apresentado pela sua direção controlar o capital especulativo, barrar as privatizações das empresas estatais estratégicas, eliminar os incentivos fiscais às grandes empresas e confiscar o ganho dos especuladores para, com esses recursos, “implementar um programa de investimentos, no apoio à pequena e média empresa, na construção de casas populares, na reforma agrária, no apoio à produção agrícola familiar, na garantia de escolas e atendimento de saúde para gerar empregos e criar um mercado interno de massas”. Todas essas medidas são justas, mas extremamente limitadas, e acabam por patrocinar a ilusão de que é possível um país atrasado e subordinado à opressão imperialista, como o Brasil, construir uma alternativa à recolonização nos marcos de um capitalismo nacional, soberano, fortalecido com “um mercado interno de massas”. Essa é uma utopia reacionária que já levou os trabalhadores a inúmeras derrotas na América Latina!

Desde a LBI compreendemos ser preciso apoiar vigorosamente as mobilizações e lutas dos sem-terra e do MST, mas para que sejamos realmente vitoriosos, para que conquistemos um país livre do jugo imperialista, onde os interesses do proletariado e do campesinato pobre se transformem em poder político, onde as massas tenham emprego e plenas condições de vida é necessário não “mudar o modelo econômico” de neoliberal para nacional-desenvolvimentista como prega a direção do MST — duas variantes políticas do mesmo capitalismo decadente — mas expropriar a burguesia e seus aliados, através do levante revolucionário das massas da cidade e do campo, construindo um Estado operário, um passo na luta pelo socialismo. Para “mudar os rumos da economia” é preciso construir a oposição operário-camponesa ao governo Dilma e forjar as condições para construir um governo operário e camponês, onde o Estado expresse, através da democracia operária, os interesses dos trabalhadores. Para defender as mínimas reivindicações operárias e camponesas, atender os interesses mais elementares das massas, é preciso enfrentar a burguesia, os grandes grupos econômicos, as FFAA e o imperialismo com um programa de ruptura com o capital, pois os interesses das classes na sociedade capitalista são antagônicos e irreconciliáveis. Um real programa operário e camponês deve defender, para tirar as massas da miséria: a reforma agrária com o confisco do latifúndio produtivo para dar terra aos camponeses pobres; todo apoio às ocupações, a nacionalização da terra; garantir terra aos sem-terra e posseiros bem como a propriedade dos pequenos produtores; a ruptura com o FMI e o desconhecimento de todos os títulos dos agiotas financeiros, com a expropriação das fábricas, terras e bancos sob o controle operário. Esse programa somente poderá ser aplicado rompendo com a democracia capitalista e suas instituições (parlamento, justiça), levando a cabo essas medidas através de organismos de poder e organização dos trabalhadores da cidade e do campo, em uma autêntica democracia de conselhos de operários e camponeses. No debate do seu VI congresso é urgente superar o atual programa da direção do MST e levantar uma orientação classista e revolucionária para os milhões de sem-terra e camponeses pobres que esperam um passo concreto e de luta em defesa de suas condições de via. Nesse sentido, a reivindicação histórica de reforma agrária defendida para garantir terra aos sem-terra é uma reivindicação justa, porque consagra o acesso à propriedade aos trabalhadores, historicamente excluídos pela burguesia e pelo latifúndio de terem um pedaço de terra para manter suas famílias e garantir suas mais elementares condições de vida. Apesar da classe operária se colocar pela abolição completa da propriedade privada, ela apóia integralmente a reivindicação dos camponeses pobres por terra contra a classe capitalista latifundiária, que também é sua inimiga histórica, estimulando a sua associação em cooperativas ou a incorporação em fazendas coletivas estatais. Dar terra aos camponeses é uma tarefa democrática incapaz de ser realizada pelo capitalismo decadente e, como essa medida altera as relações sociais no campo, os enfrentamentos entre os sem-terra e o latifúndio assumem características revolucionárias em um país atrasado como o Brasil.

Em essência, a luta pela reforma agrária radical é um choque entre a estrutura latifundiária e reacionária existente no país e a defesa da pequena e média propriedade camponesa, um embate que enfraquece o Estado semicolonial, que assenta sua dominação em uma aliança entre a oligarquia agrária e a burguesia industrial. O MST reivindica a reforma agrária apenas em terras improdutivas e acaba bloqueando a luta dos sem-terra em terras devolutas e muitas vezes sem solo agricultável. A política do MST gera até mesmo o comércio rentável das desapropriações, levando os latifundiários a receberem um valor muito superior por suas terras, pago pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), a título de indenização, em função das ocupações coordenadas pelo MST em suas propriedades devolutas. Até mesmo terras em processo de desertificação recebem altíssimas indenizações do INCRA. Essa política busca estabelecer um acordo com os governos de plantão para impor uma reforma agrária sem abalar a estrutura fundiária. Ao contrário dessa política de colaboração de classes, a resposta proletária à questão da terra é a expropriação geral e revolucionária dos latifundiários sem indenização, através de milícias camponesas, pelo fim do monopólio privado da terra e a sua nacionalização, garantindo terra aos sem-terra e posseiros, bem como a propriedade dos pequenos proprietários rurais, assegurando-lhes assistência técnica, crédito subsidiado ou negativo e a comercialização da produção. O capitalismo, ao se desenvolver na agricultura, pouco a pouco vai passando para as mãos da burguesia financeira, dos bancos, dos industriais, dos grandes comerciantes e da burguesia agrária, as terras que antes eram pertencentes tanto aos latifundiários como aos camponeses pobres, apesar da maior parte do território nacional ainda estar nas mãos do latifúndio. O desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo, enquanto levou novas máquinas e técnicas para o campo, também colocou em relevo um novo proletariado agrícola que vive em condições subumanas, sendo superexplorado por seus patrões, como no corte da cana para as grandes usinas de cana-de-açúcar, responsáveis pela fabricação do álcool. As mais produtivas propriedades rurais brasileiras estão hoje nas mãos de grandes monopólios industriais e financeiros. Apenas 46 grandes grupos econômicos controlam sozinhos 20 milhões de hectares. Quase toda a produção agrícola é dominada por grandes empresas agroindustriais pertencentes em maior parte aos grandes monopólios nacionais e estrangeiros. 80% dos alimentos consumidos no Brasil, com exceção das verduras e legumes, passaram por algum processo agroindustrial. Se geograficamente a agroindústria representa pouco no que diz respeito à ocupação do solo, do ponto de vista da produção e do PIB é o setor que alavanca a economia agrária nacional. Os grandes monopólios e bancos controlam a produção agrária. Por exemplo, a produção de tomates é controlada por 4 grandes monopólios: Arisco, Gessy Lever, Círuis. O Grupo Votorantim é o maior produtor brasileiro de laranjas e a Nestlê controlam o rebanho, da produção até a comercialização da pecuária leiteira no Brasil. Nestes casos, onde há o desenvolvimento capitalista da agricultura no campo, a tarefa revolucionária dos camponeses pobres e do proletariado rural é expropriar as grandes empresas agroindustriais, sem indenização, convertendo-as em propriedade coletiva sob a direção dos trabalhadores e não repartindo as terras em pequenas propriedades, o que acabaria com sua alta produtividade. Em síntese, é preciso levar a cabo a revolução agrária, como parte da luta pela revolução socialista.

A enorme mecanização que vem ocorrendo no campo, o emprego e o uso crescente do trabalho assalariado, o domínio sobre a quase totalidade da produção agrícola e da pecuária de grandes monopólios financeiros, industriais e bancários, a posse de terra nas mãos da burguesia não deixam dúvidas sobre o predomínio do capitalismo na agricultura brasileira e, conseqüentemente, de que a principal contradição no campo hoje é entre uma burguesia dona dos meios de produção e, de outro lado, o proletariado rural e os camponeses pobres. A luta pela terra em um país atrasado, com um desenvolvimento desigual e combinado, onde convivem, lado a lado, a mais recente tecnologia de ponta na produção agrária desenvolvida por grandes empresas capitalistas com a agricultura de subsistência, justificam plenamente essas duas consígnias — reforma agrária e revolução agrária — tarefas que se completam. Como dizia Trotsky: "Os problemas centrais desses países coloniais e semicoloniais são: a revolução agrária, isto é, a liquidação da herança feudal, e a independência nacional, isto é, a derrubada do jugo imperialista. Estas duas tarefas estão estreitamente ligadas uma à outra" (Trotsky, Programa de Transição). Expropriar a burguesia agroindustrial e os latifundiários é tarefa colocada para o proletariado rural e os lutadores classistas sem-terra, que devem ter a certeza que só a sua ação direta guiada por um programa e um partido revolucionário, efetivando a aliança operária e camponesa, pode derrotar o poder capitalista no campo e na cidade!