sábado, 7 de dezembro de 2013


Morre Mandela: De líder negro da luta contra o Apartheid capitalista à artífice da transição pactuada com a burguesia branca e racista

A morte de Nelson Mandela nesta quinta-feira, 05 de dezembro, foi anunciada pela imprensa mundial como a “perda de um líder histórico na luta contra o racismo”. Até a mafiosa e racista FIFA homenageou o ex-presidente da África do Sul na cerimônia de escolha dos jogos da Copa do Mundo no Brasil, lembrando os seus feitos de “pacificar” o país para a realização do megaevento capitalista em 2010. Não faltaram vozes dos representantes das grandes potências imperialistas que sustentaram durante décadas a perseguição ao povo negro e ao próprio Mandela para lamentar sua morte aos 95 anos. O falcão negro Obama declarou que “Como muitos outros no mundo, eu não conseguiria imaginar minha vida sem o exemplo que Mandela deu. Eu sou um dos milhões que se inspiraram na vida de Nelson Mandela. Minha primeira ação política foi um protesto contra o apartheid. Estudei as palavras e os textos dele.Cabe a nós seguir o exemplo que ele estabeleceu. O legado de Mandela foi uma nova África do Sul, em paz consigo mesma”. Por outro lado, milhões de africanos negros foram às ruas render homenagem àquele que personificou a luta contra o apartheid durante décadas, ficando preso por 27 anos, mas que acabou assumindo a presidência do país em 1994 como fruto de uma transição pactuada com a burguesia branca e racista, sustentando assim um regime que mantém vigente as brutais desigualdades sociais no país, como vimos nos massacres recentes de mineiros negros pela polícia do governo do CNA a mando de multinacionais britânicas. Não por acaso, as correntes frentepopulistas em nível mundial, como o PT do Brasil a FSLN da Nicarágua, que hoje encabeçam governos da centro-esquerda burguesa em um claro giro à direita, declaram que Mandela sempre foi seu exemplo político!

Nascido em 1918, em uma aldeia do interior, Mandela estudou Direito em uma das primeiras universidades de seu país, onde conheceu Oliver Tambo. Juntos, entraram em contato com o Movimento de Libertação Nacional da África do Sul e se integraram ao Congresso Nacional Africano (CNA). O Partido Comunista Sul-Africano, fundado em 1921, caracterizou o então regime como um tipo específico de colonialismo, que oprimia e explorava os trabalhadores e a maioria negra. Em 1944, já formado advogado, Mandela participou da criação da Liga Juvenil do CNA, da qual foi eleito presidente em 1951. Nesse período, em 1949, o governo sul-africano aprova um novo regime “legal” segregacionista: o famigerado “apartheid”. Esta foi a política oficial imposta pelo imperialismo e a minoria branca desde o final da década de 1940, não por coincidência após as experiências de campos de concentração nazistas e no mesmo ano da imposição do Estado de Israel na Palestina, legalizou e otimizou este sistema de mão de obra barata. A população trabalhadora sul-africana foi balcanizada sem direitos políticos, trabalhistas, liberdade de movimento, de expressão ou associação. Nas “reservas” se originaram os famosos bantustões, “estados independentes bantos-tribais” sob o tacão do imperialismo britânico, de onde os negros não poderiam sair se não tivessem passe concedido pelo Estado capitalista racista. O governo dividiu o país para que 87% da terra ficassem com os brancos, mestiços, e indianos; e os 13% restantes dividido entre os “estados” negros (80% da população), aos quais era concedida uma cretina “independência” controlada pelo exército sul-africano. Para justificar a discriminação da população destes campos de concentração africanos, o governo fazia um paralelo entre o tratamento que dispensava aos habitantes dos bantustões e o que a União Europeia e os Estados Unidos davam aos imigrantes ilegais vindos da Europa Oriental e América Latina, respectivamente. Dezenas de massacres como o de Sharpeville (1960) e Soweto (1976) ocorreram para sufocar as greves e levantes da resistência popular ao apartheid. Em 1950 o PC foi formalmente proibido através da Lei de Supressão do Comunismo e em 1960 o CNA foi banido, passando à resistência armada. Em 1964, o principal líder do CNA, Nelson Mandela foi condenado à prisão perpétua. O apartheid provocou a formação de uma frente popular no país, a partir da unidade das fileiras da oposição nacionalista, sindicalista e stalinista negra.

A partir desse momento, intensifica-se a luta popular e, em 1952, Mandela, já fazendo parte do Conselho Executivo do CNA, lidera nacionalmente protestos que desafiam a nova lei imposta pelo governo de minoria branca. Mandela se vê forçado a entrar na clandestinidade em 1958, acusado com base na Lei de Repressão ao Comunismo. Em 1964, quando estava sendo julgado, afirmou: “Por várias décadas os comunistas eram o único grupo político na África do Sul que estava preparado para tratar os negros como seres humanos e seus iguais; que estavam preparados para comerem juntamente conosco; conversar conosco, morar e trabalhar conosco. Em função disso, há muitos africanos negros que, hoje em dia, tendem a igualar a liberdade com o comunismo”. Diante do recrudescimento da repressão, o CNA resolveu organizar a resistência armada e criou um braço armado: Lança da Nação. Nelson Mandela tornou-se o seu primeiro comandante-em-chefe. Saiu do país com outros companheiros para conhecer novas experiências de resistência anticolonial e fez treinamento militar com etíopes e argelinos. Quando, em 1962, retornou à África do Sul, Mandela foi detido e passou mais de 27 anos na prisão.

A resistência do povo sul-africano continuou e alcançou um nível inédito com a rebelião de Soweto, em 1976. Em meados dos anos 1980, o CNA desencadeia uma campanha que intensifica as jornadas para isolar e debilitar o regime racista, enquanto cresciam as manifestações de solidariedade internacional e as forças armadas racistas sul-africanas são derrotadas em Angola e na Namíbia, com o apoio da URSS e a participação das tropas internacionalistas de Cuba. O processo de resistência heroica do povo sul-africano ganhou força e apoio internacional, mas desembocou em uma saída reacionária de “reconciliação nacional”. Orientados pelo programa nacionalista burguês, a resistência popular se fortalece, mas sempre acenando para uma negociação com o regime racista. A campanha mundial para a libertação de Mandela atinge seu auge. No início de 1990, Nelson Mandela fez um acordo com o governo racista de F. W. Klerk para promover a “transição pacífica para a democracia”. O acordo foi uma enorme capitulação à burguesia racista branca e ao imperialismo, com o compromisso de manter em pé os privilégios econômicos, concordando em promover as políticas neoliberais em larga escala no País. Para conter o avanço das massas populares, a frente popular que subiu ao governo foi estruturada com base no acordo entre o CNA, a Cosatu e o PC que possibilitou manter a estabilidade do novo regime até as enormes greves dos trabalhadores mineiros que aconteceram neste ano. As medidas neoliberais se sucederam uma atrás da outra. Independência do Banco Central; permanência no Ministério das Finanças do ministro branco racista e neoliberal Derek Keyes; proteção à propriedade privada a qualquer custo. Sob esta base a reforma agrária ficou inviabilizada, apesar de ter sido uma das principais bandeiras históricas do CNA e da luta do negro pobre. O programa econômico, publicado em 1996, levou a colocar em pratica, de maneira plena, as medidas impostas pelo Consenso de Washington, o que impossibilitou a melhoria das condições de vida das massas trabalhadoras: mais privatizações a preço de banana, cortes nos investimentos públicos e nos gastos sociais, ataques contra os direitos trabalhistas, abertura comercial e cambial. Sob o controle total do imperialismo, o governo do CNA continuou a pagar as dívidas contraídas pelo regime racista, o que, só até o final da década, custou US$ 4,5 bilhões. No final da década de 1990, os preços dos produtos básicos e o desemprego tinham disparado, milhões de pessoas deixaram de ter acesso aos serviços públicos básicos, como água encanada, energia elétrica e telefonia, devido à impossibilidade de pagar as altas tarifas. A burguesia branca e os monopólios imperialistas continuaram controlando a mineração, principal componente da economia, os bancos e os principais setores, o que está na base do ascenso do movimento grevista desde o ano passado. Lembremos que em agosto de 2012, a polícia da África do Sul matou pelo menos 38 operários em greve em uma mina de platina em Marikana, nos arredores de Pretória. Cadáveres caídos, envoltos por poças de sangue, podiam ser vistos na mina controlada pela britânica Lonmin. Os agentes da repressão do governo da frente popular dirigida pelo CNA de Zuma e Nelson Mandela abriram fogo contra os três mil grevistas que estavam fazendo piquetes com comitês de autodefesa, tendo em vista que dias antes a mesma polícia já havia assassinado cerca de 10 operários. Este foi o maior massacre desde o chamado “fim do apartheid”, quando o governo capitalista branco foi substituído pelo seu gerente negro. Não por acaso, Lula afirmou que “O grande legado do Mandela foi fazer com que o povo negro da África do Sul descobrisse algo que parece simples, mas não é. Se a maioria era negra, não tinha o maior sentido de os brancos governarem o país”.

Como se observa, após 30 anos da ditadura branca do apartheid, o imperialismo tratou de operacionalizar uma distensão democrática, retardada em quase duas décadas, tardia em relação às ditaduras europeias (franquismo e salazarismo) e em uma década em relação às ditaduras militares de suas semicolônias latino-americanas. Os seguidos governos do CNA negociaram os acordos de garantias às corporações multinacionais mineiras e a burguesia em geral, impulsionando uma burguesia negra que, no governo, após as eleições de 1994, adotou a estratégia neoliberal de “Crescimento com Igualdade e Redistribuição” (GEAR). Na África do Sul, o desenvolvimento desigual e combinado da luta de classes fez com que o retardo do fim da ditadura do apartheid desembocasse na primeira experiência de governo de frente popular como opção preferencial do imperialismo encabeçado justamente por Nelson Mandela que deixou a prisão para ser eleito presidente da república. Se durante o apartheid o imposto estatal cobrado às grandes companhias chegava a 48% dos lucros, o governo do CNA reduziu estes impostos para 28%. Com a frente popular negra, a burguesia imperialista racista logrou um ambiente politicamente bem mais estável para fazer seus negócios por quase metade do preço que tinha que pagar antes ao governo branco. Recentemente esse pacto social começa a ruir sob o sangue dos operários negros! Em uma tentativa de justificar o papel contrarrevolucionário dos governos do CNA, o PCdoB afirma: “A transição avança e, em 1994, Mandela é eleito com 62% dos votos presidente da África do Sul. Instala a Comissão da Verdade e da Reconciliação, e governa o país de acordo com as novas condições históricas de defensiva estratégica das forças socialistas e revolucionárias”.

A morte de Mandela, um líder reverenciado por seu povo, mas que de fato foi um instrumento útil para o imperialismo reforça que é preciso construir um partido trotskista revolucionário do proletariado negro da África do Sul para derrotar a frente popular e faça-o superar suas ilusões no CNA, no PC e na COSATU através da luta revolucionária pela expropriação do imperialismo e de seus sócios burgueses, brancos ou negros. Longe de somar-se ao coro hipócrita de apologia da frente popular encabeçada por Nelson Mandela no governo de “colaboração de raças” em 1994, os marxistas revolucionários agora e sempre denunciaram a capitulação e integração do CNA ao regime burguês pró-imperialista na África do Sul, maquilado de “democracia popular”. Por esta razão neste momento reforçamos que só pela via da revolução proletária e do socialismo a maioria da população explorada e milenarmente oprimida poderá emancipar o continente africano do capitalismo racista e desenvolver as forças produtivas rumo ao socialismo, pondo fim definitivamente aos massacres e à espoliação do país pelas transnacionais.