quinta-feira, 22 de novembro de 2012


Belchior: Agora a boa música brasileira é tratada como caso de polícia

Era feito aquela gente honesta, boa e comovida/Que caminha para a morte pensando em vencer na vida/Era feito aquela gente honesta, boa e comovida/Que tem no fim da tarde a sensação/Da missão cumprida/Acreditava em Deus e em outras coisas invisíveis/Dizia sempre sim aos seus senhores infalíveis/Pois é; tendo dinheiro não há coisas impossíveis (“Pequeno perfil de um cidadão comum”)

Desde domingo, 18/11, a mídia murdochiana vem promovendo uma série de ataques a um dos maiores ícones da autêntica música popular brasileira, o cantor Belchior, que beiram ao histerismo. Como veremos, este tratamento não é um fato isolado ou que esteja colocado apenas para pautar jornalecos ou programas sensacionalistas como a revista domingueira “Fantástico”. A emissora dos Marinhos, em reportagem especial de vários minutos, afirma que Belchior desapareceu de um hotel no Uruguai sem pagar a dívida de hospedagem e responde por diversas outras cobranças no Brasil. Mais uma vez, a mídia transforma em “espetáculo” um drama pessoal, obviamente não no sentido de buscar uma solução, mas sim para raivosamente incriminar e condenar a priori os envolvidos. Mas por que esta perseguição, que remonta desde 2009 pela também Rede Globo que afirmava na época Belchior teria desaparecido quando, na verdade, estava na ativa preparando disco e shows? Belchior foi um dos primeiros cantores nordestinos a fazer sucesso em todo o Brasil em meados dos anos 70, quando participava de um grupo de jovens compositores e músicos cearenses, ao lado de Fagner, Ednardo, Fausto Nilo, Rodger Rogério, Teti, Cirino e outros, conhecidos nacionalmente como o “Pessoal do Ceará” que, fruto desta parceria, compuseram o disco “Massafeira” em 1980. Nesta época consolidou-se não apenas como um cantor, mas cresceu sobre uma proposta (contra)cultural de crítica ao modo de vida imposto pelo regime militar pós-golpe de 1964, lançando canções ácidas e engajadas ao mesmo tempo sensuais do quilate de “Velha roupa colorida”, “Como nossos pais” (que sensibilizaram inclusive Elis Regina!), “Apenas um rapaz latino-americano”, “Divina comédia humana” e a genialíssima crônica da vida “Pequeno perfil de um cidadão comum”. Por isto mesmo o establishment burguês trata de colocar, em tempos de reação ideológica, na marginalidade este menestrel de tão lírica e coerente obra.

Contudo, o que na primeira reportagem de 2009 transparecia ser uma preocupação com o seu desaparecimento, hoje a situação adquiriu outro aspecto, pois Belchior vem sofrendo um verdadeiro linchamento de toda a imprensa nacional após a reportagem do “Fantástico”, com um tom bem mais agressivo e de conteúdo nitidamente policialesco, acusando-o de ter deixado um rastro de “falcatruas” por onde passara, no Uruguai e no Brasil, agora “encontrado” em Porto Alegre. Em curta declaração ao jornal Zero Hora (21/11), afirma que “esta notícia que está circulando é mentirosa”. O que mais chama a atenção dentro de tudo isto, é que Belchior é um dos poucos artistas nacionais, tal como Ednardo, que se recusou a adotar a “unanimidade” dos ritmos atuais (forró eletrônico, axé-music, sertanejo universitário, pagode mauricinho etc.), muito diferente da postura de Fagner, por exemplo, com quem rompeu por discordar de sua linha de criação e conduta claudicante perante a mídia, e que vem atuando praticamente como garoto propaganda da oligarquia “socialista” dos Ferreira Gomes no Ceará, aceitando passivamente cantar músicas de baixa qualidade do tipo “pop-forró” desenraizado de sua natureza e realidade rural tão bem retratada por Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira...

No entanto, o ponto fulcral da perseguição policialesca a Belchior deve ser compreendido na essência da própria época por que passamos e vivemos, de profundo retrocesso ideológico e cultural da humanidade, cada vez mais dominada pela idiotização da internet (as famigeradas e controladas redes sociais), pelos meios de comunicação de massa e a opinião pública a serviço da contrarrevolução imperialista nos países semicoloniais como o Brasil. Assim, qualquer elemento de resistência cultural, mesmo que não esteja em voga na mídia, deve ser destruído, por ser considerado “velho” e contestador da estupidificação das mentes da juventude, cujas letras e poesia da obra de Belchior tratam da inconformidade e de um claro engajamento musical voltado a um projeto estético-político contracultural rechaçado pela ideologia dominante. A ruptura com a “inquestionalidade” e com a cultura do óbvio não mais interessa à classe dominante, o que importa acima de tudo é ser “moderno e atualizado”, em conformidade ao que impõe goela abaixo a indústria cultural de massas voltada exclusivamente para o mercado de consumo do “novo” e do politicamente correto, o que implica inexistência de espaço para a crítica mais ácida aos costumes e idiossincrasias. Muitos artistas consagrados, exponenciais como Chico Buarque, já se renderam covarde e mediocremente a esta situação, declinando conscientemente de se constituir em um pólo que faça germinar qualquer semente de resistência cultural no país, vergando-se às imposições da “voz do dono”.

Desta forma, os detentores da propriedade privada dos meios de comunicação em associação com o imperialismo tratam de destruir os últimos resquícios de resistência cultural ainda existentes para impor os “novos” valores ideológicos extremamente conservadores e belicosos a fim de eliminar o “velho” da sociedade e o que resta da boa música brasileira para logo impor padrões de consumo descartáveis e de baixa qualidade artistíca. Neste sentido, o agora demonizado Belchior, ocupa as colunas policiais dos jornalões da imprensa charlatã. Por outro lado, o grande depositário da cultura de resistência político-cultural deve ser o proletariado, organizado desde seus locais de moradia, estudo e trabalho de forma que possa enfrentar com sua ação direta os ditames da burguesia, a política do “consenso” e o capital financeiro internacional que é o grande beneficiário da idiotização principalmente da juventude. Somente a classe operária dirigida por um partido comunista pode ter em suas mãos o futuro e um horizonte cultural pleno de satisfação e júbilo através da destruição revolucionária e violenta do atual modo de produção e, sobre suas cinzas, erguer as bases de uma nova sociedade.