domingo, 11 de setembro de 2011


O outro 11 de Setembro: a Frente Popular chilena e sua “via pacífica para o socialismo” pavimentaram o caminho para o golpe pró-imperialista do chacal Pinochet

Há trinta e oito anos, em 11 de Setembro de 1973, no mesmo Chile que até poucos dias se encontrava convulsionado pelas mobilizações estudantis contra a política de privatização do ensino herdada da ditadura militar de Pinochet, era desferido um golpe fascista patrocinado diretamente pelo imperialismo ianque. A ofensiva da contrarrevolução ganhou terreno e desferiu sua investida fatal nesta data trágica como produto direto da política de colaboração de classes do governo da Unidade Popular encabeçado por Salvador Allende. A UP correspondeu às características clássicas de uma frente popular, onde a burguesia em crise extrema e sob a pressão do ascenso popular faz concessões e entrega o governo a partidos reformistas de massas (PS e PC) para que estes controlem o movimento operário nos marcos do regime político burguês. A atual trégua que as direções do movimento estudantil, ligadas às mesmas forças políticas que conformaram a UP, deram ao presidente neopinochetista Piñera em nome de “negociar a educação gratuita” é uma prova de que esta política suicida não foi superada no Chile e continua fazendo, assim como no passado, a luta dos estudantes e trabalhadores como principal vítima.

A vitória eleitoral de Allende e da UP em 1970 ocorreu quando as massas estavam em uma mobilização ascendente que ameaçava destruir o Estado burguês. O aniquilamento eleitoral da direita (Partido Nacional), a derrota do democrata-cristão Eduardo Frei — em condições de divisão da burguesia — era uma expressão aberta de que estava na ordem do dia para as massas chilenas a luta por construir um governo operário e camponês. Para sair dessa encruzilhada, que a própria evolução da luta de classes impunha, os partidos frentepopulistas se aliaram com a burguesia, o exército e o clero com o objetivo de preservar a ordem capitalista. Essa tarefa era impossível sem desorganizar as massas e derrotá-las. Esta foi a função política que veio a ter o governo da UP: organizar a derrota pacífica dos trabalhadores e, portanto, pavimentar o caminho para o seu esmagamento sangrento. No programa da UP, a conquista do poder deveria ocorrer a partir de mecanismos institucionais existentes através de um processo gradual, progressivo e pacífico, ou seja, rechaçava a tarefa de armar as massas para pôr abaixo o Estado burguês em um enfrentamento direto com a burguesia nacional e o imperialismo. As reacionárias instituições e estruturas capitalistas deveriam ser transformadas paulatinamente sem a necessidade de organismos de poder popular e soviéticos que superassem e destruíssem a estrutura jurídica, política e econômica que mantinha de pé o regime burguês. Essa utopia reacionária pregava que a ordem capitalista deveria ser transformada a partir da institucionalidade montada para mantê-la, a passagem do poder de uma classe para outra deveria ocorrer sem que se abrisse um processo revolucionário para sua conquista.

Cumprindo esse objetivo, Allende promulgou uma lei que dava poderes ao Exército para fazer apreensões de armas sem aviso prévio. Esta medida estava dirigida às fábricas ocupadas e aos partidos de esquerda, em especial o MIR (Movimento de Esquerda Revolucionário) que possuía um contingente de mais de 16 mil homens armados, que compunham a própria UP. Ao mesmo tempo em que exigia o desarmamento dos cordões industriais, em meio à maior crise militar de seu governo, nomeou Augusto Pinochet como chefe das FFAA. A cúpula da coalizão governista apoiava-se nestes organismos de base exclusivamente para pressionar a direita e buscar uma solução negociada para a crise, conferindo-lhe funções de colaboração com o governo. Ademais, o próprio Allende e o PC se manifestam contra os organismos de base, taxando-os de esquerdistas e desestabilizadores do quadro jurídico-político e institucional. Dado o peso e a influência da UP no movimento operário e popular (CUT e sindicatos) e a ausência de um partido revolucionário que dirigisse esses setores mais conscientes, a vanguarda classista que se aglutinava em torno dos organismos de base não conseguiu se contrapor frontalmente ao governo e às instituições do Estado burguês que, naquele momento, eram apresentadas pelo PC e o PS como estando a serviço dos interesses dos explorados. Em consequência dessa política criminosa, um dos momentos de maior radicalização das massas foi desprezado e seu ímpeto contido, como forma de garantir a estratégia política reformista. Alçada ao poder para conter e desviar o avanço das massas trabalhadoras do campo e da cidade, criando a ilusão de uma “via pacífica para o socialismo”, a frente popular foi derrubada em um momento em que a classe dominante e o imperialismo conseguiram organizar a contra-ofensiva auxiliados pela política da UP de desarmar o proletariado e pactuar com os setores “constitucionalistas” da burguesia (DC) e das FFAA. Como bem sintetizou Trotsky: “a política conciliadora das Frentes Populares condena a classe operária à impotência e abre caminho para o fascismo” (Programa de Transição, 1938).

No auge dessa crise, ocorre o golpe militar em setembro de 1973. Os trabalhadores resistiram heroicamente, as FFAA bombardearam as fábricas ocupadas e os rendidos foram sumariamente fuzilados. As ilusões de Allende que, horas antes de sua derrubada, chamava as massas a confiarem nos militares “patriotas” foram cúmplices do massacre, ainda que o “presidente-companheiro” tenha pagado com sua própria vida por elas. Com o golpe militar, o exército sequestrou e assassinou mais de 8 mil militantes e provocou o exílio e o cárcere de outros milhares. As Forças Armadas bombardearam bairros populares, fuzilaram, prenderam milhares de pessoas nos quartéis e, principalmente, no Estádio Nacional em Santiago do Chile. Por sua vez, o imperialismo norte-americano, através da CIA, ajudou ativamente a preparação do golpe. Esse massacre esteve a serviço de assegurar a recolonização do país e a destruição das conquistas da classe operária. O “pinochetaço” e o estabelecimento da ditadura militar finalizaram a curta experiência do governo da UP. Atualmente, um herdeiro político do chacal Pinochet, Sebastián Piñera, voltou a ocupar o Palácio La Moneda após seguidos governos “democráticos” de corte neoliberal da Concertación entre o PS e a DC após o regime militar. Hoje, assim como no passado, a política de colaboração de classes da frente popular limita a radicalidade do movimento de massas e sem uma plataforma revolucionária as lutas operárias e estudantis em curso tem acabado por servir à demagogia “antineoliberal” do PS que, convertido integralmente ao capital, deseja retornar à presidência já não mais em nome da defesa da “via pacífica ao socialismo”, mas sim para gerir, sem as fricções anteriores ao golpe fascista, a reacionária ordem burguesa “democrática” que mantém intacto o mesmo regime social de exploração da classe trabalhadora vigente na ditadura militar!